Por Paulo Paiva
Num balanço do ano de 2021, posso afirmar que, mais uma vez, os Transitários mostraram a sua real capacidade de se reinventarem quando assim lhes foi exigido, mas sobretudo uma capacidade inigualável na gestão da cadeia logística internacional.
Assistimos a uma sequência de situações todas de sinal negativo. Começando com a própria situação de calamidade provocada pela Covid 19, que governou o mundo nos últimos dois anos, a indisponibilidade de contentores e de navios, implicando o incremento para níveis insustentáveis do preço dos fretes, a concorrência desleal com o surgimento de empresas promovendo a integração vertical nos serviços logísticos, a falta de confiança e de confiabilidade nos prazos, as plataformas tecnológicas e os chamados “Transitários” digitais, o fecho de fábricas e portos na China, os congestionamentos brutais nos vários portos americanos e chineses, a falta de motoristas, os elevados preços da energia e dos combustíveis e, ainda, o Brexit.
Sempre que penso no nosso setor, e revejo as crises que ciclicamente surgem e se desvanecem ao longo dos anos, há sempre um fator comum na nossa ação: usamos de uma mestria inigualável para apresentar soluções adequadas a cada problema que nos é apresentado, ajustadas no tempo e no espaço, procurando equilíbrio entre o valor que se acrescenta a determinado produto e o preço apresentado pela solução.
Indubitavelmente o nosso setor deveria ser um caso de estudo sobre como um determinado ecossistema reage quando um dos seus elementos naturais sofre tentativas de enfraquecimento e mesmo eliminação. Pois é disso que se trata quando olhamos para as movimentações de alguns armadores globais, assumindo medidas que notoriamente desequilibram o ecossistema logístico, ao alegadamente elegerem os transitários como um elemento a absorver e eliminar da cadeia logística. Começaram por condicionar e alienar o acesso ao transporte marítimo aos pequenos e médios transitários, sendo mais que certo que os grandes seguirão pelo mesmo caminho.
Senão, vejamos! A Hamburg Sud, desde o início de janeiro de 2022, sem qualquer pré-aviso, excluiu abertamente dos seus clientes todos os transitários. Menos evidente, mas não menos capaz de provocar graves desequilíbrios a médio prazo, foi a medida adotada por outros dois armadores (Maersk e MSC) atribuindo um custo adicional se o cliente não optar por usar os meios do armador nas camionagens, criando um enorme problema e embaraço a todos os transportadores rodoviários que prestam serviço para a ligação entre os locais de carga e os vários portos.
No seguimento da implementação destas decisões, a APAT manteve conversas com a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), que levaram a que a mesma tenha abordado esses armadores no sentido de prevenir eventuais ilegalidades nesta forma de atuação. Tenho sérias e suportadas dúvidas sobre a legalidade, e o facto é que os armadores me acompanham aqui, pois rapidamente deram passo atrás e suspenderam as decisões que haviam tomado à revelia do mercado.
Depois temos ainda a imposição, por parte da Arkas Portugal, à importação, da contratação do transporte terrestre, tendo enviado aviso para o mercado informando que passaria a ser obrigatória a camionagem deles próprios nos contentores de importação em Portugal
Esta imposição da Arkas é, sem sombra de dúvida, contrária ao direito da concorrência, já que se traduz em coartar a liberdade de escolha do prestador do serviço de transporte terrestre, em prejuízo dos transitários, dos transportadores e, em última instância, dos empresários e consumidores finais.
O resultado destas ações voluntárias, reprováveis a nível ético, moral, social e económico-financeiro, é uma profunda mudança degenerativa da economia mundial, já de si muito abalada pela crise de saúde que se instalou desde o final de 2019.
Não mais podemos ter os estados a compactuar e a criar condições para que estes armadores continuem a atuar desta forma e ainda beneficiar de apoios de dinheiros públicos, sobretudo na União Europeia.
A gravidade da situação é enorme, precisando de respostas efetivas dos governos para que seja reposto o equilíbrio. E esse equilíbrio depende da diversidade e não na concentração de soluções logísticas, que levam à usurpação do poder de escolha, que se transfere das mãos do mercado para o controle absoluto por parte de um dos intervenientes nesse mercado (os armadores).
Uma economia fortalece-se na diversidade e no equilíbrio de poderes entre a procura e a oferta, tudo o que destabilize e que não conduza a um novo equilíbrio apenas está a provocar a deterioração de todos os intervenientes. A História mostra-nos que sempre que há uma força que reúne e concentra o poder, seja ele de que natureza for, há um enorme retrocesso a todos os níveis. Na generalidade das vezes porque essa concentração leva a decisões unilaterais, saindo sempre uma das partes muito prejudicada. A própria Natureza assim nos ensina aquilo que apreendeu ao longo de milhões de anos. A diversidade deve prevalecer, pois só assim é possível prevenir e, quando necessário, enfrentar grandes catástrofes.
No seguimento do que venho defendendo, a realidade é que Portugal padece de insuficientes ligações marítimas, ferroviárias e aéreas. O país deve focar-se nas necessidades logísticas da economia nacional, em concretizar políticas de investimento norteadas pela visão holística do ecossistema logístico nacional.
A conectividade é obrigatoriamente um objetivo estratégico que, ainda que envolva várias legislaturas, o Governo, recém-eleito a 30 janeiro, tem de interiorizar e proporcionar que os investimentos público e privado se complementem e contribuam para que essa conectividade passe a ser um dado adquirido em vez de um objetivo aparentemente utópico e inatingível.
Sabemos que no Ecossistema Logístico em Portugal há ainda muito para fazer nas infraestruturas e infoestrutura. Por outro lado, novos desafios surgem a nível dos recursos humanos, com novas realidades e ambientes de trabalho que chocam com tudo o que estávamos habituados antes do surgimento da pandemia.
Precisamos de uma reorganização do Estado, criando uma Secretaria de Estado, ou mesmo uma Direção Geral para a Logística e Transportes, tendo a responsabilidade e competências que lhe permitam ter sob a sua alçada as decisões estratégicas sobre todo o setor, envolvendo a totalidade dos modos de transporte. Recentemente, com as questões logísticas levantadas pela pandemia, ficou bem provada esta necessidade de termos uma integração de todos os meios num só organismo.
Convido todos os interessados a juntarem-se à APAT dando continuidade ao trabalho desenvolvido pelas Direções que nos antecederam, e nomeadamente pela Direção a que presido desde 2015. Todos temos um dever de contribuir para que o ecossistema logístico seja efetivamente forte e equilibrado alavancando e consolidando o nosso posicionamento na economia planetária.
Sou uma pessoa positiva e otimista por natureza, por isso acredito que o ano de 2022 vai trazer crescimento, estabilidade e o tão desejado equilíbrio que proporcionará uma nova e entusiasmante realidade para todos. Na APAT continuaremos a trabalhar para contribuir no sentido de haver também no nosso setor razões para persistir, investir e inovar, demostrando a mais-valia que reside em ter um transitário como parceiro na abordagem aos mercados internacionais. Queremos levar os produtos Portugueses a todos os cantos do mundo e continuar a encarar os próximos tempos com confiança e otimismo reforçados, em prol de uma sociedade mais justa e uma economia nacional mais forte.
Paulo Paiva Presidente da APAT
In Transportes & Negócios