Anteriormente publicámos a primeira versão deste artigo na qual traçávamos ao menos três cenários para frete marítimo em contentor: PIB global com crescimento padrão (5%), estagflação (sem crescimento/queda do PIB Global) e recessão global.
De então para cá surgiram muitos “factos novos” que demonstraram uma série de ações aparentemente coordenadas e bastante contundentes dos principais Bancos Centrais do mundo com firme propósito de controlar a crescente inflação global (a maior dos últimos 40 anos), que está corroendo o poder de compra e as poupanças da população, além de espremer os lucros e reduzir os investimentos das empresas.
Dentre os eventos mais relevantes, destacam-se:
- 15/jun.: a FED aumentou em 0,75 p.p. os juros dos EUA (maior aumento desde 1994);
- 15/jun.: o Reino Unido aumentou os juros pela quinta vez consecutiva, chegando a 1,25% (nível mais alto desde 2009) para conter uma inflação já acima de 11%;
- 15/jun.: Banco Central Europeu convocou uma rara reunião extraordinária para criar um mecanismo de proteção às dívidas soberanas dos países do sul do bloco (abrindo espaço para uma alta dos juros já partir de julho);
- 16/jun.: Os Bancos da Suíça e da Hungria apanharam os mercados desprevenidos ao aumentarem os seus juros;
- 29/jun.: Os presidentes dos principais Bancos Centrais (Jerome Powell/EUA, Christine Lagarde/EU e Andrew Bailey/UK) reconheceram que “subestimaram” a pressão inflacionária provocada pela pandemia e pela guerra na Ucrânia durante encontro em Sintra (Portugal).
Coincidência (ou não), também presenciamos uma sequência emblemática de notícias e publicações que demonstraram como essa pressão inflacionária, e a alta dos juros, vêm atingindo a logística internacional, dentre as quais merecem destaque:
- 29/jun.: A Clarkson (importante consultoria inglesa) publicou um relatório dizendo que, embora os fretes globais venham caindo em relação ao pico, ainda estão muito acima das médias históricas. Entretanto há “ventos contrários” pela frente: pressão inflacionária, impactos do conflito na Ucrânia e padrões de procura ‘normalizados’ à medida que os consumidores voltam a consumir serviços (lazer, entretenimento, viagens, restaurantes, etc.);
- 29/jun.: Lars Jensen (Top 5 Maritime Influencer) postou no LinkedIn um gráfico baseado no WCI (World Container Index) demonstrando que a queda dos fretes nas rotas Leste/Oeste foi maior do que a sazonalidade poderia explicar e, portanto, sugere um aumento da probabilidade de uma procura mais fraca nos próximos meses;
- 30/jun.: A Drewry (outra consultoria inglesa de renome) publicou um relatório prevendo o início da queda dos fretes globais em contentor (Beginning of the end for carrier’s bull run);
- 03/jul.: A Amazon, após reportar prejuízo no 1ºtri.22 (e projeções fracas para os próximos trimestres), anunciou o cancelamento/adiamento da construção de 16 novos centros de distribuição, perante o arrefecimento do e-commerce;
- 06/jul.: As ações da Maersk fecharam o dia cerca de 35% abaixo do pico registado em Jan/22.
Claro que todos esses “sinais” fortalecem cada dia mais a perceção de que há no horizonte uma recessão global e, consequentemente, uma provável queda relevante na procura que, por sua vez, pode culminar numa desaceleração dos principais indicadores globais de frete. Entretanto, também vale mencionar a existência de alguns “sinais trocados”, tais como:
- 27/jun.: Presidente do Banco Central do Brasil afirmou que “O pior da inflação já passou e ciclo de alta de juros está perto do fim”;
- 30/jun.: O governo chinês anunciou US$ 45 mil milhões em estímulos à infraestrutura para conter os efeitos do lockdown sobre a economia sendo que o banco central chinês já havia baixado as taxas de juros para empréstimos acima de cinco anos e anunciado um corte de impostos da ordem de US$ 21 mil milhões.
- 30/jun.: A Clarkson divulgou aumento do índice de congestionamento dos portos (em junho 36,2% da frota global estava ancorada nos portos, contra uma média de 31,5% pré-pandemia): “A interrupção contínua causada pelo congestionamento dos portos segue extremamente favorável ao mercado de afretamento, apesar dos volumes de comércio em 2022 estarem sob pressão de uma combinação de fatores”;
- 30/jun.: A Sea Intel alertou os transportadores que, embora a capacidade indisponível por conta dos congestionamentos tenha diminuído em maio.22 (9,8% da frota global, versus o pico de 13,8% em Jan/22), a redução de capacidade nesse mês ainda está bem acima do registado no mesmo período de 2020 e 2021. “Isso significa que estamos no início da alta temporada e a frota global já está com mais falta de capacidade do que no mesmo momento em 2021”.
Por outras palavras, tendo em vista a contrariedade dos “sinais do mercado” a SOLVE somente acrescentaria aos prognósticos das grandes consultorias internacionais que essa muito provável desaceleração dos fretes globais poderá não ocorrer de forma linear (início, intensidade e duração) em todas as rotas ou regiões.
Também vale a pena lembrar que, ainda que as autoridades estejam cada dia mais atentas para coibir eventuais condutas abusivas ou anti concorrenciais por parte dos armadores, esses ainda têm à disposição uma vasta coleção de artifícios que poderão travar uma queda mais brusca dos fretes nos próximos trimestres, tais como: blank sailing, demolição de navios antigos/ineficientes, slow steaming (sobretudo em virtude do IMO 2023) e cancelamento/adiamento de encomendas de navios (como na crise internacional de 2009).
Ou seja, o planejamento dos custos logísticos de 2023 resultará, mais do que nunca, de uma correta interpretação dos fundamentos (oferta, procura, custo, utilizações, etc.) de cada rota e, principalmente, a construção de planos de ação para diferentes possíveis cenários!
Leandro Barreto
In Portos e Navios